Apontamentos acerca do trabalho como princípio educativo e práxis político-pedagógica
Não é possível desperceber ou desconsiderar, diante da história humana e do atual contexto político-social que estamos vivendo, os claros movimentos e contra-movimentos engendrados, em constante curso na nossa sociedade, na batalha pela conquista daquilo que Gramsci chamou de hegemonia. Com suas tomadas de avanços e retrocessos no sentido daquilo que se acredita ser uma "sociedade melhor", a história humana parece ser cíclica, dialética, em movimento espiral, com forças que se opõem e arrastam o mundo. Trata-se da luta entre a preservação da hegemonia do capital contra a construção de uma nova hegemonia. Para conservar sua hegemonia, o capital recorre ao discurso do fim da história, do fim do trabalho e da naturalização do mundo. Para conquistar a hegemonia, a antítese busca desvelar a historicidade da experiência humana na Terra, desvelar os limites e contradições do mundo atual, formar o ser humano integral, demonstrar que a vida humana é vida social (naturalmente desnaturalizada).
Funda-se uma hegemonia quando o conjunto da sociedade interioriza e adota, como próprios, os valores, a estratégia e o programa político da fração dirigente. Contudo, o poder não está apenas nas instituições do Estado, mas também incrustado na sociedade, nas teias das relações sociais capilares. As forças que se opõem entre si e arrastam o mundo são, em um só tempo, internas (objetivações subjetivadas) e externas (subjetivações objetivadas) aos seres humanos. Em outras palavras, a hegemonia consiste na cultura que um grupo dominante conseguiu generalizar. Por isso, pressupõe coerção e consenso.
É possível figurar essa relação entre consenso e coerção para o estabelecimento da hegemonia no cálculo da área de um losango. Em um ambiente com pouco consenso (d), exige-se maior atuação das forças coercitivas do Estado (D). Quando há maior internalização de valores e sentidos comuns em uma sociedade (d), menos é presente a expressão da coerção social (D).
Toda relação de hegemonia é uma relação pedagógica, pois a sociedade age como constante educadora de uma visão de mundo dominante. A sociedade incessantemente socializa seus indivíduos (coercitivamente) para uma ordem de mundo pretensamente natural visando gerar consenso e viabilizar a vida social. Sem socialização, inclusive, é impossível a vida propriamente humana. As instituições sociais cuidam de assegurar a internalização de uma ordem do mundo e dos sentidos para a vida e os seus elementos. Assim, conseguimos previsibilidade e segurança necessárias à existência da sociedade. Igreja, mídias e escola são exemplos de importantes instituições sociais que socializam os indivíduos, naturalizando um arranjo de mundo e um sentido para a vida. No entanto, sabemos que surgem diferentes concepções de mundo e divergentes significações para a vida na humanidade. São posições não-hegemônicas, periféricas, que apontam a possibilidade de mudanças e denunciam o caráter político, cultural e social da estrutura estabelecida do mundo e os privilégios de quem se beneficia dessa ordem. Por esse caminho, conclui-se que para a construção de uma outra hegemonia, para a mudança daquilo que não tem razão de ser como é, daquilo que diminui e oprime o ser humano, é necessária a construção de uma nova educação.
Uma educação que promova o conhecimento desnaturalizado da realidade social e a reflexão crítica acerca do mundo produzido pela humanidade é uma educação potencialmente transformadora. Considerando que é no trabalho, ou seja, é na interação intencionada do ser humano com a natureza, visando estabelecer a própria existência, que esse ser se constitui, é basilar garantir o vínculo entre ensino e trabalho produtivo como princípio de uma nova educação comprometida com a verdade e com a desalienação. Nossa relação com o trabalho e com a educação estritamente direcionada ao atendimento dos específicos interesses do mercado, diminui e esvazia a vida humana. Fica, então, a questão: como concretizar em nossas atuais instituições de ensino profissionalizante (formadoras de especialistas) a educação politécnica (formadora de seres humanos universalmente desenvolvidos, que saibam fazer de tudo)?
É importante destacar que apenas o estudo da realidade social é igualmente insuficiente para formar o ser humano crítico e emancipado, pois a escola, além de precisar estar intimamente marcada pelo seu contexto real, deve buscar encaminhar uma intervenção para a mudança concreta da sociedade. O nome dessa intervenção não pode ser outro que não o trabalho. É pensando/agindo o mundo que o aprendizado encontra sentido, finalidade e o ser humano pode se desenvolver em todas as suas potencialidades.
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